Projeto
Proposta da pesquisa * Pressupostos
teóricos * Trabalho de campo
* Equipe
Proposta da
pesquisa:
Esta
pesquisa busca interpretar as relações entre as religiões
afro-brasileiras e a cultura nacional. Entre as relações
escolhidas estão as mantidas por estas religiões com outras
como o catolicismo, religiosidades indígenas, kardecismo etc., com
o consumo de bens materiais e simbólicos, com espaços físicos,
com as festas populares organizadas por grupos afins, com a capoeira, com
as artes e outras.
Buscamos,
ainda, representar estas relações por meio dos recursos oferecidos
pela hipermídia considerando que o caráter dinâmico
desta linguagem permite incorporar na etnografia as diferentes dimensões
dos fenômenos culturais analisados. Nesse sentido, acreditamos que
sua utilização em antropologia possa ampliar o debate sobre
a produção etnográfica, tanto no contexto da pesquisa
de campo como no de sua representação.
Resumo
dos pressupostos teóricos:
A
proposta de explorar por meio da linguagem da hipermídia as conexões
entre cultura nacional e religiosidade afro-brasileira, insere-se numa
discussão mais ampla sobre o caráter das dinâmicas
culturais. Como se sabe, as relações entre cultura e religião
têm sido objeto de contínuas discussões, resultantes
de diferentes perspectivas sobre como compreender estes fenômenos
ao longo do desenvolvimento da antropologia.
Uma
das vertentes mais difundidas, atualmente, inspirada na hermenêutica,
tem enfatizado a natureza semiótica dos fenômenos culturais.
Para Clifford Geertz (1978:15), a "cultura é uma 'rede' de significados
que os homens elaboram socialmente", e sua análise é sempre
parcial, visto que a cultura é muito mais do que a soma de seus
elementos. A interpretação da cultura se faz, portanto, por
meio da busca de seus significados, sempre provisórios e relativos.
O
campo das religiões afro-brasileiras, por sua dinâmica de
trocas simbólicas e de múltiplos diálogos ao longo
da história, parece encontrar neste conceito semiótico de
cultura correspondências expressivas. Desse modo, foi ele que orientou
esta pesquisa, permitindo-nos considerar as relações entre
as religiões afro-brasileiras e a cultura nacional sob múltiplos
aspectos - diacrônicos e sincrônicos, local e nacional, particular
e geral, entre outros - presentes na prática e no discurso sociais.
Por
sua vez, o texto escrito linearmente tem limitado sensivelmente a potencialidade
de uso e representação do conceito semiótico de cultura,
sobretudo quando se busca expressar as "hierarquias de significado"
do campo estudado na construção de uma "descrição
densa" de que fala Geertz (1978:15). Acreditamos, assim, que a etnografia
em hipermídia, ao apresentar simultaneamente os fluxos das práticas
e dos discursos sociais nos seus múltiplos planos inter-relacionados,
permite expressar, etnograficamente, as hierarquias estratificadas de estruturas
significantes que compõem a cultura, segundo Geertz (1978:17). Além
disso, por permitir a incorporação, em sons e imagens, de
dimensões da cultura relacionadas às categorias do sensível
(música, dança, cantos, gestos etc.), é capaz de transmitir
conteúdos que o texto escrito não comporta ou encontra limitações
para expressar.
O
conceito de religião que adotamos também se insere na perspectiva
da antropologia interpretativa que a compreende como um sistema cultural
ou:
"Um
sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas, penetrantes
e duradouras disposições e motivações nos homens
através da formulação de conceitos de uma ordem de
existência geral e vestindo essas concepções com tal
aura de fatualidade, que as disposições e motivações
parecem singularmente realistas" (Geertz, 1978:105)
Se
a religião é uma das formas de conceber o mundo, ela pode
fornecer matrizes para construção deste mesmo mundo, impregnando-o
de signos e valores que ultrapassam o próprio sistema religioso
em campos como a arte, trabalho, educação, política,
economia etc. Por sua vez, esses campos atuam nestas matrizes transformando-as,
num processo contínuo de influências mútuas.
Nesta
pesquisa procuramos compreender a cultura brasileira em alguns de seus
aspectos lúdicos e sensíveis, considerando as matrizes do
sistema religioso afro-brasileiro e, ao mesmo tempo, os símbolos
deste sistema em "diálogo" com a cultura brasileira. A própria
expressão "afro-brasileiro", com que designamos as religiões
de origem negra no Brasil, serve como exemplo deste "diálogo" em
que nenhum dos dois termos que a compõem expressam totalidades,
sendo, antes, resultado de leituras particulares do que seja "africano"
e do que seja "brasileiro" e, ainda, do que seja a união entre os
dois. O termo, embora abrangente, refere-se às contribuições
específicas de certos grupos de origem africana e brasileira, denotando
a complexidade dos fenômenos aos quais se aplica. É preciso
lembrar, ainda, que a presença dos valores de grupos particulares
na cultura é geralmente resultante de negociações
entre estes e os demais e que se dão em contextos específicos
de dominação política, econômica etc. No uso
da expressão "afro-brasileiro", que o dicionário registra
como "relativo ou pertencente à África e ao Brasil", a presença
do hífen revela a dificuldade de separação ou fusão
dos seus termos e aponta com a possibilidade de reelaboração
de significados de acordo com os interesses dos grupos. Feijoada, samba,
capoeira etc. podem ser símbolos "mais" ou "menos" brasileiros ou
africanos segundo essa perspectiva. Como se vê, "afro-brasileiro"
é um termo que expressa as ambigüidades da integração
das heranças africanas na cultura brasileira.
Nossa
inserção nas redes sociais dos terreiros em várias
cidades brasileiras foi beneficiada por mais de duas décadas de
estudos nessa área e facilitou a pesquisa de campo. Além
disso, não se tratava de privilegiar o estudo deste campo em si,
fartamente descrito nas etnografias desde há mais de um século.
Assim, foi adotada a estratégia de contatar terreiros em seis capitais,
nas quais os modelos mais difundidos de religiosidade afro-brasileira estão
representados: batuque em Porto Alegre, candomblé angola e umbanda
em São Paulo e Rio de Janeiro, candomblé queto em Salvador,
xangô em Recife e tambor de mina em São Luis. Nessas cidades
identificamos algumas relações que os terreiros estabelecem
com outras instâncias da cultura local e nacional. Nessas cidades
foi estabelecido um "percurso" que visava qualificar os vínculos
já identificados na bibliografia e desvendar outros. Esses percursos
incluíam: igrejas católicas e outros templos; mercados, lojas
e feiras de artigos religiosos; espaços de culto fora do terreiro
(praias, matas, cachoeiras etc.); cerimônias e festas religiosas;
academias de capoeira; escolas de samba e blocos carnavalescos; blocos
afros, afoxés e maracatus; instituições culturais
e acadêmicas (ONGs, museus, centros etc.) e, finalmente, restaurantes,
salões de estética afro etc.
Nesses
lugares foram realizadas entrevistas buscando apreender percepções
dos grupos em seu trânsito por uma rede formada por vínculos
significativos entre terreiro e sociedade. Nas entrevistas procuramos discutir
com os próprios interlocutores suas percepções sobre
os significados desta rede buscando identificar-lhes uma pauta de consumo
de bens simbólicos constituída em termos de espaços
freqüentados, estilos de música e dança preferidos,
hábitos alimentares, opções de lazer (cinema, teatro,
literatura), gosto etc. A pesquisa documental foi realizada nos acervos
de bibliotecas, centros culturais, museus e outras instituições
locais vinculadas de algum modo ao tema da cultura afro-brasileira. A pesquisa
de campo resultou num acervo de quase mil slides fotográficos, cinqüenta
e três horas de vídeo e vinte horas de depoimentos gravados
em áudio e em vídeo.
Equipe
A
pesquisa de campo foi realizada nas cidades de Porto Alegre, São
Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife e São Luis por Vagner Gonçalves
da Silva (Auxílio à Pesquisa FAPESP e Bolsa de Produtividade
CNPq). Em São Paulo o trabalho de campo e o levantamento documental
foram realizados também por Rita Amaral. Colaboraram os bolsistas
de iniciação científica Antonio Vieira (Bolsa FAPESP),
Clara Azevedo (Bolsa PIBIC-USP/ CNPq), Rachel Baptista (Bolsa FAPESP)
e Terezinha Sampaio (Bolsa PIBIC-USP / CNPq).